MAIS UM CONTO

Capela do Espírito Santo - onde Caria acaba e Vilar começa

A MARCHA PELA PAZ lá vai a caminho da Cordilheira dos Andes e nós, por cá, continuamos a fazer votos para que os dirigentes dos países poderosos ouçam todos os apelos destes milhares de cidadãos que por todo o lado exigem o fim das guerras e a construção de uma sociedade mais justa a viver num clima de NÃO-VIOLÊNCIA.

Hoje, vamos transcrever mais um conto e, a partir de agora, publicar fotos com motivos da nossa região. A de hoje é da capela do Espírito Santo, em Caria. Diz-se, será lenda?, que esta capela foi centro religioso de uma grande área geográfica, ainda antes da nacionalidade. Mais tarde, teria dado origem às paróquias de S. Miguel do Mato, S. Miguel de Queirã e S. Miguel de Bodiosa. É de notar que a estrada romana que ligava Viseu a Aveiro passava a poucos metros desta capela. Era, também, conhecida pelo estrada da sardinha, pois por ela chegava ao interior o peixe do mar de Aveiro. Saía de Viseu pela Serra do Crasto, atravessava Caria, Carvalhal do Estanho, Carregal, Figueiredo das Donas, Fataunços, Vouzela, Talhadas e seguia para Aveiro através de Águeda.


CONTO DO VIRA-LOBOS


Conta-se que, numa aldeia da nossa região, há muitos muitos anos, vivia um rapaz com um porte físico pouco vulgar e que, por isso mesmo, chamava a atenção de quem o olhava. Diziam que tinha 1,950 m de altura e pesava nada menos de 130 Kg. Apesar da sua estatura, era bem proporcionado, bem parecido e muito simpático. Por isso, não admira que as raparigas vissem nele um bom companheiro para as acompanhar ao altar. Nem só o físico e a simpatia eram motivo de atracção para as raparigas, é que o rapaz era o que se podia chamar um paz de alma. Não ingeria bebidas alcoólicas, nunca alguém o viu metido em zaragatas, ajudava a família e os vizinhos nos trabalhos agrícolas e colaborava em todas as actividades culturais e recreativas da sua aldeia. Era amigo de todos os rapazes da sua terra natal e com eles participava nas brincadeiras e tradições próprias das diversas épocas do ano. Não faltava a uma desfolhada, tinha um entusiasmo enorme pelas malhas do centeio, pelo Carnaval era o melhor jogador do panelo de barro, no S. João ajudava a tirar os vasos de cravos e os carros de bois das casas dos habitantes da sua aldeia para, depois, os exporem no largo da capela. No salto ao galo era um campeão, quando aparecia o galo já tinha dono.
Era conhecido por Zé Leal, Zé diminutivo de José e Leal, talvez, pela sua calma e bondade, de família não, porque pertencia aos Pereiras. Era um amante da natureza, adorava contemplar as flores e era incapaz de maltratar um animal por mais insignificante que fosse. Dizia-se até que, por vezes, andava a pé para não carregar a burra "Orelhuda" que lhe servia de transporte e de ajudante nos trabalhos agrícolas.

Nessa época, as serras da nossa região eram lar de muitos animais selvagens: raposas, lobos, texugos, linces, javalis, veados, etc. . Uma alcateia de 5 lobos trazia as povoações vizinhas em grande alvoroço, atacavam com frequência os rebanhos e havia quem afirmasse ter visto os lobos a comerem os cães que há alguns dias tinham desaparecido. Dizia-se que o chefe da alcateia, um corpulento lobo acastanhado, tinha unas dentes caninos do tamanho da lâmina de uma navalha de enxertia. O povo, principalmente as mulheres e as crianças, andava assustado e poucos se atreviam a sair à rua depois do sol se esconder atrás da Serra do Caramulo.

Certo dia, ainda o sol começava a espreitar por cima dos montes lá para os lados de Viseu, o nosso amigo Zé Leal, acompanhado pela "Orelhuda", saía da aldeia a caminho de um pinhal com o propósito de apanhar tojo e caruma para fazer cama nova à amiga burra. Ainda não tinham passado os terrenos cultivados e eis que lhe surge pela frente, a uns três metros, a tão temida alcateia. A comandar, o tal lobo acastanhado com os dentes arreganhados em sinal de ataque eminente. Dois metros atrás, os outros quatro lobos, com pelagem mais cinzenta, à espera de ordens do seu chefe. A burra empinou-se nas patas traseiras, bufou pelas narinas e fugiu na direcção da aldeia. O nosso Zé, recomposto da surpresa, virou-se para o lobo e disse: "o melhor é ires pregar a outra freguesia porque não me encontro muito bem disposto e as asneiras que vocês têm andado por aí a fazer merecem uma boa lição". O chefe da alcateia não compreendeu nada da conversa do nosso Zé, olhou para os colegas, abriu a boca e saltou sobre o nosso amigo. O Zé era Leal de nome mas não medroso, não conhecia a palavra cobardia. Teve poucas décimas de segundo para contemplar aqueles enormes dentes caninos que ameaçavam cortá-lhe a garganta. Não recuou, olhou para aquela enorme boca aberta e, sem vacilar, meteu, com toda a força, a sua mão direita boca abaixo do lobo. Foi empurrando empurrando até encontrar a ponta do rabo. Parou para respirar um pouco e recuperar força, puxou pelo rabo até ele chegar à boca. Mais umas puxadelas e o lobo ficou virado às avessas. Só nesta altura é que o nosso amigo se lembrou dos outros quatros lobos, olhou para um lado olhou para o outro e das feras nem rasto. Então, desapertou as botas e com os atacadores pendurou o lobo, pelas patas traseiras, num ramo de uma oliveira, a secar ao sol.

Este heróico feito logo correu mundo, era motivo de conversa em todas as aldeias, feiras, festas e romarias. O nosso amigo passou a ser um herói para toda aquela gente e, de tal maneira, que esqueceram o Leal do seu nome para o apelidarem de Zé Vira-Lobos.


Não sei se gostaram destas duas histórias de lobos. O certo é que as recolhas foram feitas assim e nós só demos um jeitinho na sua redacção.

Com certeza que alguns dos nossos amigos devem saber contos bonitos e, se não souberem, falem com os vossos avós que eles saberão mais do que um. Aproveitem o nosso sitio para os escreverem e nós teremos imenso gosto em os publicar.



Um grande abraço para todos


A Direcção


Vilar, 12 de Novembro de 2009